Achei interessante, ou não tivesse eu vontade de rever Moçambique, e compartilho-o.
Apesar de tudo
Artigo de Margarida Rebelo Pinto
Os paraísos servem-nos para esquecer que o resto do mundo existe ou para nos lembrar que o mundo pode ser um lugar melhor? Depois de uma semana em Moçambique, onde visitei Maputo e as belas ilhas do Bazaruto e de Santa Carolina, regressei de África com a sensação de ter visitado uma outra face da terra.
Por mais filmes que se vejam, mais livros que se leiam, por mais documentários e notícias que nos passem debaixo dos olhos, África só pode ser absorvida, entendida e sentida in loco, com as suas cores e os seus cheiros, a sua beleza e a sua miséria, a sua música e a sua magia, a sua imensidão e as suas gentes. Foi preciso ir a África para finalmente perceber a nostalgia incurável, qual malária do coração, dos que lá nasceram, cresceram ou viveram, e que a descolonização obrigou a uma partida forçada.
O que mais me tocou em Moçambique foi o povo moçambicano: educado, afável, tranquilo, feliz. Apesar da miséria, apesar da fome, apesar das doenças, apesar de tudo. África é um continente sem filtro; tudo se vive à flor da pele e em carne viva. E tudo é brutal, seja o belo ou o horrendo. Mas os moçambicanos possuem uma doçura que deve ser só deles e que me conquistou para sempre. Viajei para lá contente e regressei feliz. Fui leve e voltei ainda mais leve.
À parte do clássico episódio da intoxicação alimentar, tive uma viagem de sonho, não só pela beleza de tudo o que vi, pela forma como fui tratada. Os empregados do Pestana Lodge no Bazaruto já sabiam o meu nome desde o segundo dia e quando foi preciso tratar da maleita, fizeram-me canja, maçã cozida e não descansaram enquanto não me viram outra vez com cores na cara. Ora este tipo de atenção não está incluído naquilo a que chamamos serviço de luxo. Um calor genuíno fez-me pensar como nos relacionamos com os outros, independentemente daquilo que eles nos possam dar em troca. Uma atitude generosa gera quase sempre generosidade do outro lado. A paz puxa a paz, a bonomia puxa a bonomia, a empatia gera empatia.
Não sei quando voltarei a África nem sequer se o que lá vivi perdurará na minha existência, mas tenho a certeza de que aprendi mais do que penso, de que vi mais do que acredito ter visto e de que guardei mais do que agora me lembro. O que eu sei é que me ficou na pele aquela forma de ser e de estar moçambicana, os sorrisos que dão a volta à cara toda, as músicas entoadas nas carrinhas de caixa aberta que atravessam a cidade ao fim-de-semana com dezenas de homens e mulheres a caminho de um casamento, a alegria natural e espontânea que nunca pode ser fingida nem fabricada. Há muito amor em Moçambique. Muito amor e muito prazer, apesar da fome, apesar da miséria, apesar de tudo.
2 comentários:
Muito lindo, querida Luh! O bom atrai e gera o bom. Que felicidade saber que na pátria do nosso sentimento existe a bondade, existe a verdadeira sememte da felicidade, existe, em suma, um Éden muito esquecido pelas gentes de agora que quando o descobrem se deixam maravilhar, conquistar. A MRP subiu muitos pontos na minha consideração com esta sinceridade sobre o verdadeiro luxo da condição humana. Beijinhos Luh! Bem-hajas!
Também eu voltei a Moçambique, há cerca de um ano. Estive em Maputo, Beira, Nampula, Nacala, Ilha (claro!) e Pemba.
Para além da pobreza, que é impossível negar, uma coisa me chocou - mas pela positiva: fiquei espantado como a Educação é tratada nos dias de hoje em Moçambique. Apesar das escolas se apresentarem com difíceis condições estruturais, todos os alunos se apresentam com calças (ou saias) castanhas ou cinzentas e uma blusa branca, impecavelmente limpos e tratam os seus livros com um cuidado excepcional, guardando-os religiosamente na sua mochila ou saco.
O exterior das escolas é asseado e limpo, de uma maneira que nos faz inveja quanto a muitas escolas portuguesas.
Isto quer dizer que esses pequenos cidadãos de hoje serão os donos de um Moçambique mais evoluido e desenvolvido, para o que se preparam dedicadamente, pois têm a noção exacta de que o futuro se constrói já hoje.
Resta-me dizer que não sou moçambicano, pois apenas estive lá de 71 a 74, a cumprir o serviço militar. Mas se me quisessem adoptar, teria o maior orgulho de ser cidadão de um país que trata a educação e o seu futuro desta maneira.
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