Nesta hora da despedida presto a minha homenagem a Francis Obikwelu utilizando este artigo do jornalista Ferreira Fernandes, com a devida vénia.
Ferreira Fernandes
jornalista
ferreira.fernandes@dn.pt
Ontem, estivesse eu ao pé, ele haveria de ouvir das boas. O tolo! Mas quem pensa ele que é para ousar fazer o que fez? Virar-se para mim e dizer: "Peço desculpa!!!" A frase inteira até é assim: "Agradeço a todos, porque estiveram a ver-me na televisão, e peço desculpa." Eu estive a ver televisão e tomo a frase para mim: Francis Obikwelu pede-me desculpa!
Ele ainda há-de engolir essas palavras. Não perde pela demora. Aproveitou dizer isso agora que estamos com meio mundo a separar-nos, mas hei-de encontrá-lo. E bem pode ele ter mais um palmo de altura, mais bíceps e várias décadas menos. Vou--me a ele e espeto-lhe o dedo no peito: "Oiça lá, meta as desculpas onde quiser. Eu não as admito, ouviu?! Eu de si só quero que aceite o que tenho a agradecer-lhe." E, depois, desbobino tudo.
Desde logo aquele dia de Atenas em que fiquei sentado no estádio muito mais tempo do que ele levou a fazer - a uma vintena de metros dos meus olhos - os seus 100 metros de prata. Varreu-se-me o rapaz que lhe ficou à frente e todos os outros. Só ele contava não porque fosse belo a correr - todos os velocistas são belos a correr - mas dele sabia-lhe a história. Claro que o isco era ele ser do meu país, mas os iscos servem para fascinar, não para cativar. E eu de Francis Obikwelu, estava, estou cativo. Toda a minha vida foi feita para saber admirar homens assim. Ele ia na volta de honra, com uma bandeirinha, e eu sentado, sem gritos, nem aplausos, com o silêncio que me dou quando pratico a minha religião. A minha religião são os homens.
Eu já vivi, de casa montada e cultura bebida, em três países, sou filho e neto de emigrantes, sei que as pátrias mudam. E que ele há homens e ele há homens e que os primeiros são-me os preferidos: os que fazem seu o lugar onde estão. O africano Francis Obikwelu veio para Portugal aos 16 anos (o meu pai foi com um ano mais para Angola com um irmão mais novo, só os dois). Obikwelu trabalhou nas obras - e, diz-se, acarretando os sacos de cimento arranjou a estrutura muscular que haveria de o prejudicar nos arranques das corridas (ser pobre paga-se). Para fazer aquilo que queria, atletismo, chegou a dormir sob as bancadas do estádio do Belenenses.
Aconteceu que Francis Obikwelu encontrou uma família portuguesa que lhe deu a mão e aconteceu que a essa família ele deu aquele sorriso com que brindou o Ninho de Pássaro, ontem, antes de sabermos que era a sua derradeira corrida. Com Portugal, Obikwelu fez o mesmo, um contrato. Coisa entre iguais: eu dou e tu dás.
Sendo assim, porque digo que lhe estou agradecido? Porque são raros os que, como Obikwelu, não pedem, trocam. Ou, melhor, não são raros, fala-se de mais é dos outros. Ontem, lamentando não ter dado o que os portugueses esperavam, Obikwelu disse: "Este é o meu trabalho e queria pelo menos dar uma final aos portugueses."
Repararam na palavra? Trabalho. É a palavra dos homens. Obrigado, Obikwelu.
Ele ainda há-de engolir essas palavras. Não perde pela demora. Aproveitou dizer isso agora que estamos com meio mundo a separar-nos, mas hei-de encontrá-lo. E bem pode ele ter mais um palmo de altura, mais bíceps e várias décadas menos. Vou--me a ele e espeto-lhe o dedo no peito: "Oiça lá, meta as desculpas onde quiser. Eu não as admito, ouviu?! Eu de si só quero que aceite o que tenho a agradecer-lhe." E, depois, desbobino tudo.
Desde logo aquele dia de Atenas em que fiquei sentado no estádio muito mais tempo do que ele levou a fazer - a uma vintena de metros dos meus olhos - os seus 100 metros de prata. Varreu-se-me o rapaz que lhe ficou à frente e todos os outros. Só ele contava não porque fosse belo a correr - todos os velocistas são belos a correr - mas dele sabia-lhe a história. Claro que o isco era ele ser do meu país, mas os iscos servem para fascinar, não para cativar. E eu de Francis Obikwelu, estava, estou cativo. Toda a minha vida foi feita para saber admirar homens assim. Ele ia na volta de honra, com uma bandeirinha, e eu sentado, sem gritos, nem aplausos, com o silêncio que me dou quando pratico a minha religião. A minha religião são os homens.
Eu já vivi, de casa montada e cultura bebida, em três países, sou filho e neto de emigrantes, sei que as pátrias mudam. E que ele há homens e ele há homens e que os primeiros são-me os preferidos: os que fazem seu o lugar onde estão. O africano Francis Obikwelu veio para Portugal aos 16 anos (o meu pai foi com um ano mais para Angola com um irmão mais novo, só os dois). Obikwelu trabalhou nas obras - e, diz-se, acarretando os sacos de cimento arranjou a estrutura muscular que haveria de o prejudicar nos arranques das corridas (ser pobre paga-se). Para fazer aquilo que queria, atletismo, chegou a dormir sob as bancadas do estádio do Belenenses.
Aconteceu que Francis Obikwelu encontrou uma família portuguesa que lhe deu a mão e aconteceu que a essa família ele deu aquele sorriso com que brindou o Ninho de Pássaro, ontem, antes de sabermos que era a sua derradeira corrida. Com Portugal, Obikwelu fez o mesmo, um contrato. Coisa entre iguais: eu dou e tu dás.
Sendo assim, porque digo que lhe estou agradecido? Porque são raros os que, como Obikwelu, não pedem, trocam. Ou, melhor, não são raros, fala-se de mais é dos outros. Ontem, lamentando não ter dado o que os portugueses esperavam, Obikwelu disse: "Este é o meu trabalho e queria pelo menos dar uma final aos portugueses."
Repararam na palavra? Trabalho. É a palavra dos homens. Obrigado, Obikwelu.
1 comentário:
Orgulho-me também de saber que, neste tempo, há Homens assim como este Senhor! beijinhos Luh!
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